no outro dia vi um gato. perdido. com fome talvez, miava sem fim, à procura do retorno.

foi-se refugiar perto de mim, debaixo do carro da minha mãe. tive receio que não se afugentasse e que ficasse esmagado pela roda do carro, então abaixei-me, ajoelhei-me no chão da rua, espreitei os seus olhos brilhantes na escuridão e estendi-lhe a mão, sem pensar sequer que me podia arranhar, ou morder. sem pensar sequer que podia apanhar algum tipo de doença. simplesmente não pensei, e ainda agora, faria o mesmo, sem questionar. mas ele não se mexeu. não estava habituado a temer algo tão leve, suponho. estiquei o meu pé então, ligeiramente, como se fosse acariciár o seu pelo preto, ou doutra cor escura - era noite.

Ele lá se escondeu longe da roda do carro, e mal dei permissão à minha mãe para avançar com o carro, destapado, tentou tapar-se no carro estacionado atrás.

queria levà-lo para casa. queria tratar dele. queria impedir a sua certa morte. já devia saber que não era possível.

acabei por deixá-lo lá, debaixo do carro estacionado.

suponho que por agora, esteja morto. atropelado pela roda de um honda, ou talvez de fome, ou frio. mas talvez tenha sobrevivido, talvez a sua gata mãe o tenha encontrado antes da sentença e o tenha salvado e juntado aos irmãos. talvez sim.