o múrmurio das ondas acalma-me. estou longe, as vozes não me chegam. não são suficientemente fortes ou aterrorizadoras para atravessar as imponentes ondas de espuma. o sol tanto brilha como chove aquele cinzento frio que me desperta avisando-me da vivacidade que não me deixa escapar. ando sem rodeios, baloiçando na frescura gélida das moléculas que tanto estudamos, entre o sódio e o cloreto que me transformam em sal na luz, no conforto dos pés descalços, molhados, atentos e descansados. as nuvens cobrem o céu, tornam ainda mais difícil a relutância dos sons exteriores, aqueles que me vêm para afogar. os trovões de um céu calmo erguem-me na verdade de um arrepio, aqueles que de tão rápido que desaparecem, nem tempo temos de lhes sussurrar o quão bem nos fazem. é o lembrete de uma vida pela frente, uma vida morta. uma vida demasiado rápida e agitada para nós.

encontro-me sozinho, solto, sem nada que me prenda os braços para me abraçar nem as pernas para me acompanhar. não passam navios, e botes, e lanchas. apenas eu, apenas o meu corpo, apenas o meu pensamento. apenas meu.

sei que um dia voltarei. a chuva não dura para sempre, os trovões deixarão de se soar. o sol pousará em pouco no mar, mergulhando na alegria doutros mundos, de outros amigos. um dia as vozes chegarão por fim, exaustas mas letais, e me levarão então para o fundo do mar, aquele fundo que tanto gosto, e o transformarão no pesadelo de um sorriso desfeito, um suspiro derrotado, um final inacabado.

o meu final inacabado.